sexta-feira, 6 de novembro de 2009

"Apagou-se a mais brilhante luz do meu reinado."

Reputado médico e cientista, Sousa Martins chegou a todas as camadas da sociedade. Tinha uma doçura quase febril com os seus doentes. Amigo e mestre ímpar dos seus alunos, criou escola de saber e conhecimento. Estudioso e combatente contra a tuberculose, acabou por se suicidar para não sucumbir à doença. Depois de morto, tornou-se figura venerada pelo meio académico mas, sobretudo, pela população. "Ao deixar o mundo, chorou-o toda a terra que o conheceu. Foi uma perda irreparável, uma perda nacional, apagando-se com ele a maior luz do meu reino", disse, sobre ele, o rei D. Carlos.

Sousa Martins não é só nome de médico. Há quem diga que é santo e opera milagres. Amigo dos pobres, desamparados e doentes, a vida do médico deu origem a um extraordinário culto no País. Em Lisboa ou na Guarda, as suas estátuas são visitadas diariamente por devotos que ali depositam flores, objectos em cera e velas. Para eles, Sousa Martins já não é o médico. É o irmão que concede graças, o santo que ameniza a dor e o amigo que socorre os que depositam esperança na sua intervenção divina.

Nasceu em Alhandra em 1843 e, ainda bastante jovem, veio para Lisboa. Empregou-se como marçano na Farmácia Ultramarina, propriedade de um tio, que ainda hoje existe, na Rua de S. Paulo, em Lisboa. Para ajudar os mais carenciados, tornou-se exímio manipulador de produtos naturais. De praticante de farmácia chegou a farmacêutico. A sua inteligência e vontade de ajudar o semelhante levaram-no a tirar o curso de Medicina. Em poucos anos tornou-se um dos vultos marcantes do século XIX.

Cientista prestigiado, desfrutou de projecção internacional pelo estudo da tuberculose e das doenças nervosas. Afirmou-se "progressista e ‘maçon’". Solteiro, dedicou-se à medicina, física, química, botânica, zoologia, cirurgia, literatura, poesia, filosofia, história e oratória. Defendeu a construção de sanatórios, afirmando que a zona da serra da Estrela era propícia ao tratamento da tuberculose. Por isso, o primeiro sanatório construído nas Penhas da Saúde, por iniciativa de Alfredo César Henriques - o primeiro doente que, a conselho de Sousa Martins, se curara na serra, inaugurado em 1907 pelos reis, D. Carlos e D. Amélia - se chamou Sanatório Sousa Martins.

A luta contra a tuberculose expunha-o à doença, nos contactos diários e directos com os doentes terminais. Detinha-se junto deles, a amenizar-lhes o medo. Muitos morreram de mãos entre as suas, alguns viram-lhe auras estranhas sobre os cabelos. Uma dedicação que não exigia nada de volta. Sousa Martins procurava na ternura dos outros o seu sustento diário. Com a sua entrega absoluta aos doentes, amenizava o precário mundo dos hospitais. Aos seus alunos dizia: "Quando entrardes de noite num hospital e ouvirdes algum doente gemer, aproximai-vos do seu leito, vede o que precisa o pobre enfermo e, se não tiverdes mais nada para lhe dar, dai-lhe um sorriso."

Atacado pela tuberculose, e querendo evitar o seu próprio sofrimento, suicidou-se em 1897. Ao tomar conhecimento da sua morte, o rei D. Carlos exclamou, emocionado: "Apagou-se a mais brilhante luz do meu reinado."

Os seus alunos veneravam-no, e mesmo depois da sua morte, as suas lições, coligidas, eram referência obrigatória. Foi um professor entusiasta, sem artifícios. Dele, referiu o prémio nobel Egas Moniz: "Notável professor que deixou, atrás de si, um nome aureolado de prelector admirável, de clínico, de orador consagrado, sempre alerta nas justas da Sociedade das Ciências Médicas." Pelas suas qualidades, humanas e profissionais, Sousa Martins distinguiu-se no Portugal do século XIX: "Eminente homem que radiou amor, encanto, esperança, alegria e generosidade. Foi amigo, carinhoso e dedicado dos pobres e dos poetas. A sua mão guiou. O seu coração perdoou". A sua boca ensinou. Honrou a medicina portuguesa e todos os que nele procuraram cura para os seus males", definiu-o o escritor Guerra Junqueiro.